“A arte tem valia, porque nos tira de aqui”
a função criativa da perda e da finitude na obra de Fernando Pessoa
Lélia Parreira Duarte (UFMG)
Procuro demonstrar, na obra de Fernando Pessoa, a função criativa da perda e da finitude, com o
auxílio de Nietzsche – que fala do disfarce, da mentira, da representação, da máscara e do jogo
teatral com que o homem foge da humilhação de seu não saber e do desmascaramento de suas ilusões
(ou das consequências negativas de sua perda). Ajudam-me também Freud – para quem a ilusão torna
a vida (e especialmente o medo da morte) mais fácil para nós. (Freud, 1974, p. 339) – e outros
teóricos para quem a literatura seria canto de sereia, promessa enigmática que não teria chances
de acabar bem (Blanchot), ou que creem que a linguagem tem como função apenas o anúncio da
finitude, sendo o seu fingimento fundamental para o equilíbrio da vida (Agamben). Ou então que
veem no poeta não quem sabe instrumentalizar o idioma, “e sim aquele que se mostra apto a
desembaraçar-se do uso corrente do idioma” (Kovadloff). A conclusão é de que, para esses
teóricos, assim como para Fernando Pessoa, a literatura é potência, processo, comunicação,
fingimento, trapaça salutar de quem procura enganar a morte com a elaboração de uma linguagem
que se sabe impotente para superar a negatividade. Numa produção cuja vida está, porém,
justamente na máscara, nesse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder.